O dia havia amanhecido chuvoso e
frio, como Carol gostava. Era nesses dias que conseguia se vestir e exercer a
profissão de que mais gostava: bibliotecária. Amava essa profissão porque, ao
descobrir livros novos, descobria novas profissões para vestir.
Seu guarda-roupa continha, além
dos uniformes mais tradicionais, roupas que poderiam ser usadas tanto no
trabalho quanto no dia a dia. Quando escolhia ser cuidadora de animais, já
aproveitava a informalidade da roupa para, ao final do dia, dar uma volta no
seu sebo favorito. Quando presidia uma grande empresa, usava seu melhor
terninho e, depois do trabalho, assistia às colações de grau que ocorriam no
centro de eventos da universidade onde havia estudado. Sim, além de sebos e
bibliotecas, amava frequentar as faculdades e ver aquela juventude cheia de
sonhos jogando para o ar os surrados capelos emprestados pela universidade para
as formaturas.
Aqueles jovens faziam Carol
lembrar-se da época em que se formou e sonhou terminar a vida exercendo a mesma
profissão que pensou amar até a aposentadoria. Na verdade, ela nunca deixou de gostar
da sua carreira de contadora, ela apenas quis testar outras coisas,
principalmente as letras, que ela amava tanto quanto os números. Carol tinha
medo de que não houvesse vida após a morte e de que, por isso, não pudesse
experimentar outras profissões em outras encarnações – é, embora não tivesse
certeza sobre a vida eterna, a ideia sobre a reencarnação tornava Carol
esperançosa, afinal, mesmo vivendo uma nova profissão a cada dia, poderia não
ter tempo de vivenciar todas as que existiam enquanto ela era viva. Carol
também tinha esperança de que, havendo outras vidas, pudesse conhecer funções
já extintas ou ainda inexistentes, como datilógrafa ou operadora de robôs
domésticos - o serviço de casa era uma das poucas profissões que Carol não
havia experimentado, pois não tinha talento para cozinhar ou lustrar o chão.
Estabanada como era, provavelmente se queimaria ou tropeçaria nas vassouras –
só era organizada com seu guarda-roupas, afinal, toda manhã precisava escolher
uma vestimenta para ser alguém na vida, e sempre havia alguém esperando por
seus serviços. Carol havia ficado tão famosa que era esperada ansiosamente em
várias lojas e repartições – todos, especialmente alguns jovens indecisos,
queriam saber quais eram as melhores profissões a serem seguidas. Alguns só
tinham curiosidade sobre o retorno financeiro de cada trabalho; outros, sobre a
satisfação pessoal que cada profissão era capaz de proporcionar. Carol nem
sempre sabia muito bem o que responder, mas estava sempre disposta a
compartilhar um pouco daquilo que havia aprendido nessa sua troca diária de
figurino.
Certo dia, sentindo-se
“sabatinada” em meio a tantas perguntas, desconcertou-se quando uma jovem
mulher perguntou a Carol se ela já havia repetido alguma profissão. Carol, que
não era egoísta, não quis compartilhar esse segredo seu: tinha medo de que, se
revelasse que ser bibliotecária era sua maior realização, a humanidade corresse
para as estantes da biblioteca mais próxima e não soubesse o que fazer com tanta
informação, tal qual seu escrito predileto, Jorge Luis Borges, havia profetizado
em sua biblioteca de Babel.
Em silêncio, voltou para casa e
vestiu-se de si mesma. Talvez fosse hora de aposentar os uniformes que, por
anos, a mantiveram inteira – na próxima vez que saísse de casa, arriscar-se-ia
a sair Carol – nem professora nem advogada, apenas Carol.
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